Trazer  a Amazônia para o Rio de Janeiro em um momento tão traumático, marcado pelo recente massacre realizado na comunidade do Alemão pelo governo do estado do Rio de Janeiro, constitui um gesto político que exige uma escuta mais atenta em face das inúmeras calamidades que nos cercam, pulsantes em sua dramaticidade, mas invisibilizadas pela naturalização cotidiana da violência. 

A proposta curatorial busca, no jogo cênico que se descortina a partir das imagens do fotógrafo Christian Braga, a quebra da quarta parede, de modo a evitar um engajamento passivo diante de imagens que, embora belas, revelam, em essência, a destruição da Floresta Amazônica, de sua fauna, flora e povo da floresta. 

Christian Braga documenta os rastros da expansão capitalista sobre a floresta, trazendo a baila o que resiste às  margens da utopia desenvolvimentista. Cada imagem é um testemunho das formas pelas quais o extrativismo molda corpos, territórios, temporalidades.

A exposição constrói uma cartografia visual das paisagens pós-extrativistas na Amazônia que, em suas camadas sobrepostas, emergem como ruínas industriais de uma modernidade fracassada. Essa condição se expressa na reocupação do território por meio do fusionamento entre organismos, plantas, elementos naturais e o que restou de construções humanas, bem como, da ocupação pela apropriação dessas estruturas arquitetônicas pela população, em um processo de ressignificação e resiliência, quase sempre marcado por um cotidiano ditado pela precariedade. 

A cidade, atravessada pelas complexas vias que a constituem, ocupadas por ondas humanas que vagam destituídas de sentido, percebe a existência da tragédia social que estamos imersos quando o aniquilamento de uma centena de jovens negros irrompe através de imagens estampadas nas redes sociais, gerando um efeito catártico e manipulatório.

A Amazônia violentada, desenhada pelo olhar de Christian, flui no contrafluxo do banal, do previsível.Trata-se de fotografia expandida. Talvez possamos designar o conjunto como sendo um foto-filme, à semelhança de La Jetée, de Chris Marker, obra seminal da cinematografia mundial.

Trata-se de uma obra-denúncia, o prenúncio do apocalipse e também a oportunidade para refletirmos sobre outras possibilidades de existência.

O projeto conta, também, com um segmento educativo com visitas guiadas de alunos da rede públicas ao espaço expositivo, buscando, dessa maneira, democratizar o acesso a uma temática tão sensível, atual, urgente, para uma população em formação.

Nelson Ricardo Martins



Ao longo do século vinte, uma ampla rede de projetos extrativistas foi montada na Amazônia para atender à expansão do mercado global de matérias primas. Nesse contexto, foram criadas na região dezenas de cidades inspiradas em conceitos diversos, desde núcleos planejados por empresas do Norte global como sede de projetos extrativistas, modelos experimentais com arquiteturas adaptadas ao clima tropical, até agrovilas baseadas no ideal do urbanismo rural. Tais redes urbanas, associadas à expansão do mercado global de mercadorias, deixaram uma marca indelével na Amazônia moderna em termos geopolíticos, culturais e ecossistêmicos. Algumas dessas cidades foram posteriormente abandonadas e transformadas em terras devastadas, paisagens tóxicas e ruínas industriais, enquanto outras permaneceram como pólos de expansão do extrativismo contemporâneo.                                                    

Esta seleção de fotos reflete sobre as utopias e ruínas de cidades extrativistas na Amazônia brasileira. Estas zonas urbanas, criadas como veículos de exploração dos recursos naturais, se revelam como verdadeiros fantasmas do Antropoceno. Mostram-nos também o futuro de cada vez mais áreas da Amazônia e do mundo, se os seres humanos continuarem a privilegiar um extrativismo desenfreado que beneficia apenas uma elite, em detrimento das comunidades humanas e mais que humanas de um dado território. Por outro lado, inspiram-nos a refletir sobre contra-narrativas do abandono, o fortalecimento de estratégias de resiliência social e ambiental e possíveis futuros para essas cidades na floresta, diante das emergências climáticas, da perda de biodiversidade e da destruição de habitats.

Esta exposição é o resultado do projeto RESILIENT: Forest Cities – Utopia and Development in the Modern Amazon, financiado pela Fundação Gerda Henkel, no âmbito do programa especial Lost Cities (02/LC/22, 2023-2026), em cooperação com o projeto ECO-Amazônia, financiado pelo ERC (grant agreement no. 101002359). As fotografias que compõem esta exposição são o resultado do trabalho de campo e dos encontros do grupo, registrados pelas lentes do fotógrafo amazônico Christian Braga. As imagens estão organizadas em quatro eixos temáticos: cidade e utopia; ruína e desenvolvimento; abandono e resiliência; e legados do extrativismo — cada um revelando diferentes dimensões das transformações materiais e simbólicas moldadas pelo extrativismo na floresta tropical.

Antoine Acker, Danielle Viegas, Patrícia Vieira