O Desenho como Potência

Sendo potência enquanto desenho, potência iniciada, carregada, condensada no desenhar, no acontecer em si do meu corpo, da minha motricidade empenhada, focada nesse fazer, nessa transformação da folha de papel em algo mais do que numa folha de papel, este desenho, infinito na sua incompletude, fechado no inacabado assume a condição de um desenho que está, está para acontecer.

Interessa-me particularmente esta relação com o desenho que está ligado às concepções mais tradicionais da arte, onde o desenho, autónomo ou como esquisso que prepara a obra de arte, participa da própria condição de ser artista. O desenho não apenas incorpora as definições e intenções do seu autor, mas o desenho concretiza o autor, num enlace em que o acontecimento de desenhar, de percorrer um conjunto de procedimentos específicos, expressivos, (onde, neste caso, o meu corpo investe, a minha gestualidade faz), é o acontecer do desenho como prolongamento, efeito, metonímia, aparência da minha personalidade, da minha subjectividade. 

Será significativo verificar que todo o meu percurso em torno do desenho parte de um projecto nas Caldas da Rainha, de 2005, intitulado Buraco, um buraco escavado no chão (de 2x2x2m) que foi ponto de partida para projectos de artistas vários.

O buraco como a forma visível (e visual) de uma ausência, um vazio construído, um lugar a preencher ou a sua pura potência levou-me ao desenho. Não será certamente uma relação óbvia, mas acrescentava uma dimensão arqueológica ao desenho que me interessava, ao mesmo tempo que era a pura possibilidade do que poderia acontecer a partir dele. Talvez essa relação se defina no contraste entre um fundo cénico que é profundidade (escavação) e um primeiro plano que é solo, superfície lisa.

Daí, a relação entre desenho e performance teria de acontecer, não só metaforicamente, mas com expressão explícita na minha prática artística e na minha reflexão sobre arte. 

Vídeo de Acção

Nos vídeos exploro a efemeridade da performance, a fragilidade da sua passagem, do seu ser em acto, ao mesmo tempo que trabalho a sua existência/representação/mediação em vídeo, em fotografia, não enquanto registos documentais, mas como forma de alargar o campo da performance (e do próprio desenho, porque é do desenho e enquanto desenho que a minha performance/acção nasce). 

No meu caso a fotografia e o vídeo que registam a performance não são uma rendição. O registo é uma das manifestações do desenho como veículo performativo. É o índice de uma montagem multimédia. Ultrapasso através de uma combinação de conteúdos sensíveis de valor artístico (o desenho, a performance sobre e com o desenho, a representação foto e videográfica) o tempo histórico em que muitas vezes a performance era encarada radicalmente como negação do objecto artístico, como um dos processos de desmaterialização política da obra artística; supero um não-ser que colocou em crise a permanência e continuidade da ideia de arte, um não-ser que configurou a expectativa ideológica da performance das décadas de 70. A ideia de uma acumulação de objectos, de registos, de provas materiais, não pretende a conservação ou a ilusão de um registo da autenticidade da performance mas, sim, pretende estabelecer diferentes cronologias quer para a ideia de desenho (que passa a ser o que acontece ao desenho depois de eu decidir que o acabei) quer para a performance (que passa a ser o que acontece depois ao desenho, como eu o trabalho depois desse fechamento numa coisa discernível) e à captação de som e imagem em torno da performance (que passa a ser um fluxo em redundância, repetível, uma experiência que é possível rever e revisitar, acelerar ou lentificar no vídeo, intensificar, reenquadrar e fragmentar nas fotografias).

Objectos de acção e Desenhos Escultóricos

Os objectos de acção, são objectos que crio para por em prática a acção, muitas vezes são eles que impelem a acção outras aparecem de uma acção para outra. Decorrem quase sempre tanto da prática do desenho assim como da própria vida. Normalmente precedem a acção.

Os desenhos escultóricos geralmente decorrem da acção. Muitas vezes precisam de algum tempo para aparecer e tomarem a sua forma individual...uma espécie de autenticidade. 

Vanda Madureira