Um corpo frio
Um corpo devagar no frio
Um corpo vestido
Um corpo vagueando vestido de frio
No frio despido
No frio
No fio
No rio.
No trabalho de Jorge Cabrera percebemos que a máscara é uma das formas mais simples e inquietantes de separação entre o corpo subjetivado e o mundo indiferente, incorpóreo. Uma separação impossível, mas tentada. O interior anónimo afirma-se como invasor e evadido de um exterior inapreensível e incontrolável.
É uma separação irrespirável aquela que pressentimos nestes materiais. No seu silêncio de labirinto, no ensimesmamento do rosto que se esconde na máscara sem voz e do corpo vulnerável sentimos que o lugar onde Jorge Cabrera se pratica como artista, como manuseador de acontecimentos sensíveis e como produtor de circunstâncias que se negam à comunicação, que esse lugar não se fixa, não possui enraizamento ou garantias históricas. É um lugar anfíbio onde o corpo (o corpo do artista) se pode observar num estado poético de indefinição, de impermanência.
O corpo, prisioneiro da gravidade, e da lei dos homens é ali um prolongamento das contradições da modernidade artística que ergueu sujeitos - objetos (obras artísticas) incapazes de fazerem sentido, incapazes de um destino de emancipação mas ao mesmo tempo capazes de construírem alteridade. O desejo insaciado de uma harmonia e conciliação das paixões (como nos falava Fourier) convive com o impulso da destruição irreversível. Não deixar nada de pé, erguer tudo como da primeira vez. Eis um dos sussurros desse mistério errante, mascarado onde Jorge Cabrera se encontra com a humanidade que não pode ser, com a vida que não pode compreender. E é essa incompletude que o entusiasma. A tangência do que não tem verbo.
Pedro Pousada