Duna 
a busca de um si a que pertencer​

Ontem, antes de dormir, pensava por onde começar esse texto e ensaiei usar as seguintes estatísticas: nos 10 livros de história da arte mais usados no Brasil, 2.169 dos artistas citados são homens, 215 são mulheres, duas mulheres são negras, uma delas é brasileira, as brasileiras e negras não coincidem. Hoje pela manhã decidi usar, pelo fascínio que os números nos causam.

Somente em 2017 pude entender, com a ajuda de Linda[1], que o problema é que antes – de qualquer coisa – as mulheres precisam construir um mundo em que possam existir como artistas. Um mundo em que caibam suas questões. Há muito trabalho e não se pode esmorecer. Mariana tenta falar há muitos anos. Mas nos últimos cinco, usa seu corpo como lugar de fala e escuta a cada intento que esse corpo é bonito demais para falar de corpo. Talvez isso queira dizer que seu corpo não serve à arte. Talvez isso queria dizer que a seu corpo não lhe foi dado permissão. Sempre fico sem saber se o que lhe quita o direito de fala tem raiz estética, parda ou feminina. O corpo que deseja falar sem roupa se veste numa tentativa de disfarçar sua origem e seu gênero. Mas as raízes pardas resistem e se mostram nos lábios grossos e nas cores de pele que o vestido não cobriu. A todos os corpos pardos lhes foram negados o direito de produzir conhecimento. O mundo não faria diferente com o corpo de Mariana. A todos os corpos femininos lhes foram negados o direito de produzir conhecimento. O mundo não seria mais gentil com o corpo de Mariana.

A busca de um si a que pertencer de Mariana é de todas nós mulheres. É a construção de um mundo a que se possa pertencer. Quero dizer, um mundo em que caiba Mariana, um mundo em que me caiba, um mundo em que caibamos todas nós. Mariana trabalha todos os dias: para falar, para poder falar, para ser compreendida quando fala. Fala porque precisa falar, para poder falar e para poder algum dia talvez ser compreendida em sua fala. Mariana trabalha todos os dias para você saber que não está sozinha[2].

Lara Ovídio[3]

[1] Linda Nochlin – Porque não houve grandes mulheres artistas?

[2] Glória Anzaldúa – Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo.

[3] Lara Ovídio é mestra em Artes Visuais [EBA/UFRJ] e docente na UFRN [Decom]

Dune
the search for a self to belong to

Yesterday, before sleeping, I thought about where to start this text and I tried to use the following statistics: in the 10 most used art history books in Brazil, 2,169 of the artists mentioned are men, 215 are women, two women are black, one of them is Brazilian, Brazilian and black women do not match. This morning I decided to use it, because of the fascination that the numbers cause us.

Only in 2017 was I able to understand, with the help of Linda [1], that the problem is that before - anything - women need to build a world in which they can exist as artists. A world where your questions fit. There is a lot of work and it cannot be lost. Mariana has been trying to speak for many years. But in the last five, she uses her body as a place of speech and listens to every attempt that this body is too beautiful to speak of the body. Perhaps this means that her body does not serve art. Perhaps that meant that her body was not given permission. I always do not know if what gives her the right to speak has an aesthetic, brown or feminine root. The body that wants to speak without clothes gets dressed in an attempt to disguise its origin and its gender. But the brown roots resist and show on the thick lips and the skin colors that the dress did not cover. All brown bodies were denied the right to produce knowledge. The world would not be different with Mariana's body. All female bodies were denied the right to produce knowledge. The world wouldn't be kinder to Mariana's body anymore.

The search for a self to which Mariana belongs, belongs to all of us women. It is the construction of a world to which one can belong. I mean, a world that fits Mariana, a world that fits me, a world that fits all of us. Mariana works every day: to speak, to be able to speak, to be understood when she speaks. He speaks because he needs to speak, to be able to speak and to be able to someday be understood in his speech. Mariana works every day to let you know that she is not alone [2].

Lara Ovídio [3]

[1] Linda Nochlin - Why were there no great female artists?

[2] Glória Anzaldúa - Speaking in tongues: a letter to women writers from the third world.

[3] Lara Ovídio is a master in Visual Arts [EBA / UFRJ] and a professor at UFRN [Decom]