Entrevista com Alex Hamburger, por Bianca Tinoco

Bianca Tinoco: Como começou seu envolvimento com performance?

Alex Hamburger: Desde o início dos meus estudos culturais me interessei primordialmente por Literatura. Minha família é de imigrantes, tendo meus pais vindo para o Brasil quando eu tinha cinco anos. Vieram de Belgrado, capital da atual Sérvia, ex­Iugoslávia, indo primeiro para Israel e depois para cá. Percebi que eu tinha certa facilidade para escrever como consequência de leituras, principalmente os clássicos. Jamais pensei quefosse enveredar pelo campo artístico. Explorei áreas mais técnicas nos estudos básicos tendo feito faculdade de Ciências Econômicas justamente para poder me assentar numa metrópole, uma vez que comecei a me interessar muito por arte, e percebi que havia muitos limites no interior. Fiz o curso em São José do Rio Preto, uma cidade relativamente grande do interior paulista, mas acabei vindo para o Rio de Janeiro, onde trabalhei como economista na Petrobras e em várias empresas de consultoria. Para a minha sorte fui parar numa área chamada “estudos de viabilidade econômica”, que me permitiu aprimorar minha inclinação pelo uso palavra, conquanto textos técnicos. Nessa época, nem sonhava em escrever de forma mais criativa.

 Pude assim passar a viver numa capital cultural garantido por um emprego nine­to­five, e à noite comecei a ter acesso à uma série de expressões, isso no longevo ano de 1973. No campo artístico mais avançado, as coisas no Rio de Janeiro ainda estavam muito incipientes com algumas manifestações principalmente no campo da música e do teatro. Era a época da contracultura, assunto que muito me interessava mas de uma forma mais sofisticada, não só voltada para a questão dos hippies e do rock and roll. Comecei a pesquisar, sempre de forma autodidata, um pouco de psiquiatria, antipsiquiatria, filosofia e poesia, passando a tomar efetivamente contato com áreas que poderiam me encaminhar para questões mais amplas como artes visuais, arte experimental e performance.

 O Rio por essa época, e o país como um todo, como disse anteriormente, estava muito limitado nesses últimos campos, apesar de termos tido no país um acontecimento marcante como a ‘Semana de Arte Moderna’ e vários outros movimentos artísticos, algo que sempre me causou uma certa perplexidade. Contudo, as manifestações nestas áreas eram muito embrionárias, somente para iniciados. Em 1975 surgiu uma oportunidade de eu ir para a Europa e consequentemente entrar em contato com tudo o que eu queria aprender e desenvolver. Passei dois anos entre Paris e Londres e foi lá que se deu esse contato mais aprofundado. Foi uma experiência essencial, onde pude conhecer as neovanguardas, ou seja, aqueles importantes movimentos subsequentes as vanguardas históricas. As neovanguardas se manifestaram principalmente em movimentos a partir da década de 1950, como o Fluxus, o as atividades no Black Mountain College em torno de John Cage, Merce Cunninghan e Rauschenberg, o Grupo de Viena,o Situacionismo e o Novo Realismo. Estes grupos e seus artistas eram pouco conhecidos no Brasil. Tínhamos aqui um razoável contato com os movimentos clássicos de vanguarda como o Cubismo, Futurismo, Dada, Bauhaus, Surrealismo, etc., mas as pessoas desconheciam quase que totalmente o Letrismo, o o Grupo  de Viena, o Acionismo Vienense e uma série de experiências que aconteceram na década de 1950 na Europa, Japão e Estados Unidos. Então, em Londres, onde permaneci por um ano e meio, comecei a adquirir publicações, revistas e livros que me puseram em contato com as experiências das décadas de 1950 e 1960, embora não tenha tido um contato direto com elas, pois mesmo lá eram restritas à um público bastante limitado.

 Por outro lado, em Londres, pude alargar meus conhecimentos no campo ampliado da fotografia e das artes visuais. Quando voltei ao Rio, em 1977, fiquei pouco mais de um ano e rumei para São Paulo, porque a Pauliceia tinha uma maior tradição cultural no terreno dos meus interesses, e eu estava ansioso para colocar em prática algumas coisas que fervilhavam na minha cabeça. Achava que a arte deveria ser crítica em relação ao sistema como um todo, social, estético, cultural e antropológico. Em São Paulo, pude ver algumas (poucas) coisas no campo da poesia, recitais e um ou outro happening. Foi por essa época que comecei a escrever poemas de modo mais consequente mas ainda usando a palavra, sem perceber como poderia avançar. Entretanto, por essa época pude compor alguns poemas bastante questionadores do próprio verso, da metáfora, do normativo. Até porque os poemas que tinham me influenciado, como os do surrealismo e do dadaísmo, haviam rompido com a estrutura semântica do poema clássico tradicional, embora eu considere que um poema verbal também possa oferecer prazer e fruição ao leitor, e muitos poetas conseguiram resultados excelentes apenas com a sua utilização, mas na minha avaliação, isto era muito limitado diante dos avanços que estavam ocorrendo nesse e em outros campos; eu queria fazer com que novos significados fossem alcançados, mas tive de começar da forma mais convencional, qual seja, escrever, recitar e participar de recitais, isso na segunda metade de 1979, início de 1980.

 Fiquei um ano em São Paulo mas não estando muito satisfeito voltei para o Rio no ano seguinte (1980). Aqui, comecei a querer publicar aqueles poemas e tentar realizar outras coisas. Eu já conhecia a linguagem da performance após a estada europeia, e comecei a ter algumas ideias com a técnica, mas era muito difícil realizar algo mais consistente pois o terreno para esse tipo de prática era muito árido ainda. Olhava para todos os lados e não havia interlocutores para propor e realizar algo no campo. Fiquei meio a ‘la Godot’, com poucas esperanças mas aguardando que algo ocorresse. Continuei escrevendo e pensava: “quem sabe acontece uma mágica, um milagre nessa área?”. Afinal de contas o Brasil tem uma história por trás de tudo isso, inclusive nas áreas que eu mais acalentava (inovação). Eu sabia que aqui havia acontecido coisas interessantes mas o material de pesquisa era bastante limitado, até mesmo na academia. Estávamos a anos luz da internet e não havia como e onde pesquisar esse tipo de práticas (poesia avançada, arte corporal) e assim, de mãos atadas, não havia como dar sequência as minhas buscas, algo que somente era um pouco mais acessível para quem dominava outros idiomas. Era muito complicado conseguir-se até livros de poesia moderna, mesmo de autores brasileiros, e para o que eu queria eu precisava muito desse material para que pudesse adquirir um bom embasamento. Comecei a buscar isso com denodo, e de repente algumas coisas começaram a acontecer ainda no início da década de 1980.

Bianca Tinoco:: Que fatores te levaram a essa percepção?

Alex Hamburger: Havia por essa época um grupo de poetas um pouco fechado, que era o grupo do Chacal e outros poetas, o Nuvem Cigana. Eles atuavam desde a década de 1970 e estavam no auge nessa época, 1980, 1981. Faziam uns recitais avançados, as “artimanhas”, em que ultrapassavam a postura de simplesmente declamar poemas. Fui ver o grupo em ação no Parque Lage, creio que em 1980, e gostei. Eles se utilizavam de vários elementos de cena que colaboravam para criar um clima que ia ‘além da palavra’, com doses de irreverência que pode se dizer eram uma forma embrionária de performance. Mas a palavra ainda era o elemento principal de sua atuação, mas pelo menos aquilo me deu um alento de que algo estava acontecendo. Aos poucos também fui descobrindo outros poetas que estavam agitando na época, como o Samaral, e tive um pouco de contato também com os poetas do ‘Poema Processo’, um grupo experimental da década de 1960/70 que ainda estava em atividade. O Chacal não só recitava como estava aberto para atuações em lugares atípicos, como pequenos centros culturais, bares, onde desse, aspectos geralmente utilizados por praticantes não-tradicionais, o que me agradou bastante. Eu pensei “se eles estão fazendo isso, é porque há vida interessante na cidade”. Mas era muito pouco e o acesso a tais círculos era muito limitado

Bianca Tinoco:: Como começou sua dupla com Márcia X.?

Alex Hamburger: Eu a conheci por acaso, em 1983, ao me deparar com uma notícia no ‘Jornal do Brasil’ sobre a performance Chuva de Dinheiro, a qual achei me surpreendeu muito, achei aquilo extremamente inusitado. Elas [Márcia X. e Ana Cavalcanti] “pararam” a avenida Rio Branco jogando notas enormes de dinheiro, feitas em serigrafia, foi um acontecimento! Quando a conheci, ela era parceira de uma artista que hoje mora em Londres, a Ana Cavalcanti. Por sorte, uma semana depois as encontrei numa festa ainda sob os eflúvios daquela performance, vestidas com roupas feitas a partir das mesmas notas gigantes, bermuda, blusa e até sandálias. Esse encontro aconteceu na casa de um amigo em comum, o desenhista Rogerinho, em Santa Teresa. Falei-lhes que fiquei sabendo da ação pelo jornal e percebi que elas também estavam ávidas por interlocução, principalmente a MX, com quem mais me identifiquei, que de fato precisavam de pessoas com quem pudessem trocar informações para dar prosseguimento ao seu plano de atuação. Para a minha sorte eu as tinha, graças principalmente a estada na Europa, informações bastante interessantes para trocar, ou pelo menos suficientes para dar andamento tanto a aquele diálogo quanto às pesquisas futuras de quem queria se aventurar no campo experimental e da antiarte. Esse encontro inicial foi tão promissor, e a partir do anos seguinte (1984) formamos um casal na vida real e uma bem sucedida dupla de artistas performáticos, uma vez que a Ana Cavalcanti, a parceira original, se afastou devidoa divergências pessoais entre elas. Passamos então o resto da década juntos, realizando trabalhos diversos, ações e apresentações em locais inusitados como na rua, restaurantes, galerias alternativas, lugares não muito voltados para a arte oficial e até, porque não, em museus.

Todos os autores nos interessavam de uma forma similar, fosse James Joyce, Ezra Pound, Augusto de Campos, etc. Márcia era muito bem informada para a sua idade, quase um fenômeno! Com apenas 24 anos (eu tinha 34 quando a conheci) ela já havia trancado matricula do curso de Belas Artes da UFRJ, mas era extremamente talentosa e perceptiva, a ponto de em tão tenra idade já ter visto e apreendido os trabalhos da exposição Eat me, da Ligia Pape e TV Garden, de Nam June Paik, ambas no Museu de Arte Moderna [MAM] do Rio de Janeiro, circa 1980.  Noventa por cento dos eventos experimentais dessa época aconteciam no MAM.

 Disse-lhe que estava escrevendo um livro de poemas mas que não sabia elaborar a ‘arte final’, apenas tinha os poemas datilografados. Ela me respondeu, “eu posso ajudar na diagramação, fazer uma ‘boneca’ e depois a gente procura uma editora”. Foi a primeira colaboração nossa e a minha primeira coletânea de poemas, Kit Seleções, lançada em 1985. Além da diagramação ela fez as ilustrações do livro.  Consegui arrumar uma editora, que pertencia ao Paulo Coelho e a Cristina Oiticica, na época em que ele ainda não era tão conhecido. Fizemos o lançamento do livro na EAV do Parque Lage e foi a primeira performance da parceria. Percebemos ali que lançamentos de livros e jornais poderiam ser um bom pretexto para chamar o público e apresentar uma performance, uma vez que esta linguagem não possuía ainda uma autonomia, como atualmente, para atrair público por si só. No lançamento, MX foi caracterizada com uma roupa especial que ela mesmo confeccionou, e eu fiquei fazendo dedicatórias e lendo os poemas de cima de uma escada. Ela fez o convite e a decoração do ambiente que tinha um pneu sobre o qual ela escreveu o título do livro “Kit Seleções”. Ela fez um logotipo para o livro onde se lia “a outra poesia” o qual eu gostei muito, com um diabinho folheando páginas, e eu escrevi o texto do convite em resumo dizia “venha esmagar aviões velhos no valor de cinco milhões de dólares”. Começamos a ter uma resposta legal e demos sequência a uma parceria profícua que duraria oito anos (1984-1992).

 Lancei outros livros na década de 1980, todos diagramados pela Márcia, a arte finalista da dupla. Um deles, 100/220 volts, lançamos na lanchonete McDonalds tendo por mote o meu sobrenome. Fazíamos referências muito sutis, pouca gente podia acompanhar as relações que estabelecíamos. Às vezes assumíamos um nome de grupo, Zicklus, ocasiões em que agregávamos outros participantes como o Mauricio Ruiz e o Aimberê Cesar para inserir outros aspectos poéticos experimentais às nossas atividades como a vídeo performance. Em outubro de 1985, fizemos um evento chamado Anthenas da Raça, nos apropriando de um conceito de Ezra Pound que dizia que os artistas eram as ‘antenas da raça’. Nele, abrimos TVs tirando todos aqueles circuitos eletrônicos do seu interior, vendemos antenas que melhoram a transmissão de aparelhos de televisão e tivemos a colaboração de um casal de camelôs que conhecemos direto das ruas da cidade. Não há uma profusão de registros de nossas ações, principalmente em vídeo, pois na época não tínhamos uma câmera ainda, somente em 1988 é que adquirimos uma. Foram preservados alguns registros em foto creio que porque não pensávamos muito que um dia eles pudessem ser objeto de tanto interesse como hoje o são, e quase todos os que foram guardados se deve a intuição sempre aguçada da Márcia X.

 Para realizar aquela que considero uma das nossas ações mais emblemáticas, lançamos mão de um expediente bastante interessante: o ‘escândalo na linha dadaísta’. Tendo sido convidados para nos apresentarmos na ‘2ª Feira do Livro’, realizada no São Conrado Fashion Mall, 1986, trabalhamos um mês em cima de uma ideia que demos o título de Cellofane Motel Suíte. A Márcia se apresentou com “não­roupas”, que eram roupas transparentes de plástico que ela mesma produziu enquanto eu, vestido de homem-sanduíche, lia meus poemas em voz alta. No lugar das partes íntimas ela pintou de vermelho, o que não permitia serem vistas,mas que acabou provocando um grande escândalo no local e na imprensa. Conforme pode se ler na transcrição abaixo da matéria que saiu no jornal, os guardas começaram a se movimentar, havia muitos seguranças no local. O público, em uma feira de livros, era também composto de crianças e da classe média. Tinha a nossa turma também porque houve o lançamento do jornalzinho alternativo ‘Alguma Poesia’, que havia nos  convidado para fazer a performance. A matéria da época diz o seguinte: “A única performance da feira não destinada a crianças foi organizada pelo pessoal do jornal ‘Alguma Poesia,’ onde Márcia Pinheiro, de 26 anos, uma profissional da performance, criou um número com o poeta Alex Hamburger. Vestida com duas ‘não­roupas’, uma capa preta e uma capa transparente sem nada por baixo, Márcia foi se despindo dos excessos e pregando a plasticidade do corpo, enquanto Alex, paralelamente, ia lendo seus poemas. O ‘momento mágico’ de nudez durou exatamente meia hora. Alertado por pais de família, um segurança do shopping entrou em cena, e para obrigar Márcia a se vestir apontou-lhe uma arma”. De verdade! Um revólver mesmo! E falou “ou você se veste, ou vai ter que sair daqui!”. Foi um horror. Naquele momento aproximaram-se do tumulto os poetas e artistas alertados pelos altos tons das vozes se altercando, ficando o público também do nosso lado. Todos começaram a gritar, como se tivessem ensaiado, ‘acabou o tempo do Médici’ (um dos presidentes da ditadura militar que governou o país), juntando-se aos palhaços do grupo ‘Ciranda de Livros’, com as caras lambuzadas e os dedos em riste. Jorge Zahar Filho foi obrigado a apresentar, em nome da administração da Feira, as desculpas ao grupo de poetas. Afinal, o que ali se passara estava em franca discordância com o estande do próprio Sindicato de Editores, em que os livros do Dr. Jay Pop, Adelaide Carraro e Cassandra Rios mostravam que o sexo na nova república não era considerado pecado. Nudez, então, nem se fala.

Bianca Tinoco:: Foi em decorrência dessa performance que a Márcia mudou de nome?

Alex Hamburger: Sim! O motivo foi porque uma estilista homônima, a Márcia Pinheiro, mandou publicar uma nota na coluna social mais lida do jornal mais lido da época dizendo que ela não se despia, pelo contrário, ela vestia as pessoas. Aquilo soou muito desagradável, caiu como uma bomba no colo da Márcia, uma declaração  misto de blasé com uma falsa indignação. A partir disso, ela pensou: “puxa vida, agora tudo o que eu fizer essa Márcia Pinheiro vai atrapalhar. Comentando isso com as pessoas próximas, todos concordaram que ela devia mexer no nome, o que, além de tudo, é uma prática muito comum artistas usarem pseudônimos. Três dias depois, ela saiu-se com esse “Márcia X. Pinheiro”. Depois de um ano acabou tirando até o Pinheiro e não teve mais problemas com a homônima.

 Depois do Cellofane Motel Suíte realizamos talvez em torno de uma dezena de ações sempre nessa linha de provocação e sarcasmo. Trabalhávamos muito com características bastante antípodas de arte, por exemplo, associar contabilidade com arte, navio com museu (em Navio museu Bauru), etc. Começamos a lançar mão de várias coisas encontradas no nosso cotidiano, a fazer transposições, apropriações de textos de outras áreas, médicas, regulamentos, portarias, textos kitsch e os utilizamos nas performances. É até difícil descrever porque a performance não é uma linguagem muito ‘descritiva’, ela procura provocar estranheza, uma “outra poesia”: dois “malucos” em uma cabine, lendo para o público um balancete empresarial por exemplo. Depois, no Parque Lage, fizemos outras aparições falando textos provocativos, chegando até numa ocasião a xingar o público que nos assistia, bradando que ele era conivente com o estado de coisas que engessava a arte inovadora e que, assim como os próprios artistas, ele também era culpado pelo estado retrógrado em que a arte se encontrava naquele momento.

 Bianca Tinoco:: Como foi a performance dos triciclos?

Alex Hamburger: Foi homérica! O multifacetado artista John Cage havia sido convidado para participar da Bienal de São Paulo de 1985. Ele era o experimentalista mais apreciado por todos os artistas. Talvez tenha sido o primeiro artista verdadeiramente multimídia da história, conquanto era concomitantemente músico, poeta, escritor, performer, radio artista, artista sonoro, etc.  Havia outros multimídias que apreciávamos, como Dick Higgins, Nam June Paik, Allan Kaprow, Yoko Ono, mas Cage estava a mão e era o grande mentor de todos. Pra nossa sorte, ele aceitou vir ao Rio a convite de Jocy de Oliveira, musicista de vanguarda que foi sua aluna em Nova York. Ela e a [pianista] Maria Teresa Vieira, convidaram-no para vir conhecer o Rio e fazer uma apresentação, um concerto. Ele aquiesceu, e imediatamente conseguiram uma data na Sala Cecília Meireles, o melhor lugar do Rio para um concerto de monta e uma palestra antes, na Funarte, que também presenciamos. Conversamos sobre aquela oportunidade única na vida. Falei pra Márcia, “puxa, esse cara é o nosso ícone! E se a gente fizesse uma intervenção no concerto dele?”. Ela imediatamente topou. Nem pestanejou, ela era muito positiva, corajosa. A gente teve uma semana para pensar e era preciso muita coragem mesmo para fazer isso, porque o Cage veio precedido de muita fama, e ainda por cima era a grande atração daquela Bienal de São Paulo. Naquele mês, a mídia só falava dele, ficou tão conhecido que muita gente no concerto achava que ele era um astro da música pop. Só que Cage trabalhava com linguagens altamente avançadas, com referências a Joyce, Erik Satie, Pound, Luigi Russolo, enfim, era de uma sofisticação como raros do cenário. Provavelmente sugeri alguma coisa de subirmos ao palco, intervir de alguma forma, mas foi difícil fechar em torno de um roteiro consequente, ficamos noites sem dormir pensando o que e como fazer. Finalmente, conseguimos uma formatação do que seria: pegar dois velocípedes dos sobrinhos da Márcia, que tinham 3, 4 anos, subir ao palco e pedalar entre os pianos durante uma das composições do poeta. Três dias antes do grande evento, criamos o nome (onde fizemos um trocadilho com Cage a partir de triciclo e Cage...trici­cage... e, finalmente,  “Tricic(l)age”, e rumamos para a Sala Cecília Meireles.

 Na grande noite do concerto compareceu um público enorme, a sala estava lotada, parecia a Europa da década de 20, 30; todo mundo nos seus lugares reservados, organização impecável. O guarda na entrada da Sala nos perguntou o que eram aqueles velocípedes, e a gente balbuciou algo como que eram das crianças, e assim conseguimos burlar a vigilância que na época não era tão rigorosa como hoje em dia.  Entramos eu, a Márcia e a Cláudia, uma grande amiga nossa que ficou encarregada de fotografar caso conseguíssemos subir ao palco e realizar o desafio. Na primeira fila da plateia estava a nata da intelectualidade carioca e brasileira: Cacá Diegues, Caetano Veloso, Waly Salomão, Chacal, etc. todos estavam presentes pois, imagina, quem é que ia perder o Cage recitando e tocando suas composições experimentais? Todo mundo estava ávido para ver. Tim Rescala, Maria Teresa Vieira, Jocy de Oliveira e Vera Terra eram os grandes intérpretes das composições atonais. A gente conseguiu chegar pertinho do palco e ficou por ali durante uns 3 minutos; algumas pessoas notaram a nossa movimentação, mas não tinham a mínima ideia do que era. Como Cage é um artista muito experimental e essas coisas de vanguarda não são tão divertidas como se imaginava, a situação estava meio complicada porque o público esperava uma coisa e estava assistindo outra. Havia momentos muito monótonos, com o concerto num  ritmo lento, quase entediante de quem veio precedido de tanta fama, como na peça em que ele distorcia a leitura de ‘Finnegans Wake’. As próprias composições com ‘piano preparado’ era algo que ninguém entendia, porque havia pianos escondidos na sala: um era tocado num lugar e outro em outro – música atonal! A plateia ter ficado um pouco entediada é normal em eventos avant-garde, pois é uma coisa que provoca as pessoas que normalmente estão condicionadas aos prazeres mais imediatistas dos sentidos. Eu e MX estávamos esperando um “momento especial” para intervir e deixamos a amiga com uma máquina na mão ótima, uma Nikon preparada para registrar a efeméride. Estávamos muito nervosos e as composições foram se sucedendo rapidamente. Então, chegou uma hora que a gente decidiu: “é agora ou nunca!” Não temos nada a perder, pensamos. O máximo que podem fazer é parar o concerto e nos expulsar. Mas não pode! São propostas inusitadas que o Cage está sempre fazendo, pensamos, por que não tentar? Finalmente, tomado de grande coragem e determinação, coloquei o meu velocípede naquele palco alto, pulei para lá, peguei o da Márcia, dei-lhe e puxei-a para cima onde já estava; sentamos nos triciclos e começamos a pedalar. Um deles fazia um barulhinho, um ‘nhec nhec’, porque faltou óleo; até isso foi ao encontro de uma sonoridade atonal, de uma melodia estranha. Mas o barulho surgiu por acaso, a gente só percebeu na hora, não testamos antes. Começamos a andar debaixo daqueles pianos de cauda enormes; as duas pianistas tocavam Winter Music. Era a última música do concerto, se a gente vacilasse não teríamos entrado para a “história da performance carioca”. Uma coisa que lembro muito bem de ter nos encorajado, foi que no intervalo do evento, ao tomarmos um café no foyer da Sala, entreouvimos alguns artistas falando na possibilidade de fazer algo também, ou seja, outras artistas pensaram em interagir daquele grande encontro, que sabia-se dificilmente se repetiria, mas provavelmente não estavam preparados como nós, que já tínhamos um roteiro, e até um título. Mas aquilo de falarem algo nesse sentido nos encorajou, vimos que estávamos no caminho certo de contribuir decisivamente com a linguagem.

Interviemos no palco e as pianistas continuaram tranquilamente a executar a composição como se nada estivesse acontecendo, permitindo-nos circular sob (os pianos) e ao lado delas a vontade. A ‘danada’ da Cláudia (a amiga que ficou encarregada de registrar a interferência) só conseguiu tirar uma foto da intervenção, alegou que ficou nervosa. Na (única) foto, vê-se a Jocy de Oliveira no seu pianão de cauda e a Márcia ao lado pedalando. Na foto, ela está em primeiro plano, parecendo que ela [Márcia] é um pouco maior, mas a gente, na verdade, era pequeno ao lado desses pianos. A Márcia ainda botou um cartaz na boca com um aforismo meio nonsense. Houve um tumulto grande na plateia quando a gente fez aquilo, muitos pensaram que fazia parte da proposta, mas as pessoas começaram a curtir pois estavam meio entediadas, e devem ter pensado, finalmente algo para nos distrair. E ficou aquela dúvida no ar, se a nossa intervenção fazia parte ou não do espetáculo de Cage. Depois, até conheci a Jocy, mas na época da interferência [Márcia e eu] éramos dois ilustres desconhecidos. Nesse ponto, foi bom e ruim: assim que a gente desceu do palco toda a imprensa nos cercou perguntando “o que foi aquilo”. O próprio Cage estava na plateia tendo presenciado tudo, e um jornalista americano que estava cobrindo o concerto para uma revista de música inglesa soube, e nos revelou depois, que, ao entrevistar Cage nos bastidores, que ele gostou da intervenção, até porque ela não foi nada demais, foi algo até singelo, nem um pouco agressivo ou desrespeitoso, pelo contrário.

 A repercussão serviu para nos lançar no circuito performático carioca, que era complicado de lidar. Era muito limitado, as pessoas a ele pertencentes eram contadas nos dedos da mão, e ainda assim havia uma competição feroz, algo que ninguém admitiria se você verbalisasse. Eu percebia isso porque, às vezes, havia festivais de performances, ou eventos parecidos, e eu e Márcia raramente éramos convidados. Já éramos marginalizados com relação à “Geração 80”, dos pintores; nessa, a gente não entrava de jeito nenhum, jamais seríamos chamados para expor. Mas não importava, a gente teve mais prazer ao sobrepor todas as barreiras e continuamos realizando trabalhos depois de Tricyc(l)age. Todo esse material (da sequência das nossas ações alive) está no espólio da Márcia no MAM-RJ: há um bom inúmeras de fotos, porque ela pensava que um dia isso teria importância, no que acertou em cheio. Fui lá recentemente e vi que ela guardou (quase) tudo: rascunhos meus, manuscritos da época, roteiros e indicações de como realizar as performances. Ela guardou cada papelzinho, não acreditei quando vi aquilo. Fotos, pequenos recortes, convites, protótipos, coisas que catávamos nas ruas, “não­roupas” (vestimentas de plástico que ela mesmo confeccionava), está tudo lá. Parte do acervo foi exposto na retrospectiva da Márcia X no Paço Imperial e mais tarde no MAM, quando todo o acervo foi doado àquele museu.

Bianca Tinoco: Como era a conexão de vocês com os artistas do Parque Lage, e mais especificamente com o Grupo “Seis Mãos” e com o grupo “A Moreninha”?

Alex Hamburger: Nesse evento do Bonito Oliva [palestra do crítico italiano Achille Bonito Oliva realizada em fevereiro de 1987 na Galeria Saramenha, RJ, onde o grupo A Moreninha fez uma intervenção], não tivemos um envolvimento direto. Ficamos meramente observando. Participamos mais em espírito, mais tipo “pares performáticos”  dando uma força. Eu não sabia por exemplo exatamente o que ia acontecer, o que eles tinham planejado.

Bianca Tinoco: O Ricardo Basbaum me disse que a Márcia foi de ‘Rambo’ e você foi com um chapéu de marinheiro e uma espada do ‘He­Man’.

Alex Hamburger: Ah sim, é verdade! Eles (do grupo “A moreninha”) não nos disseram nada sobre a concepção do trabalho em si, a gente não sabia o que ia acontecer, eles apenas pediram aos artistas mais próximos que tivessem alguma participação na palestra do Bonito Oliva, um téorico italiano considerado pelos artistas da Moreninha como alguém com uma pegada hegemônica, impositiva, típica de imperialistas culturais. Topamos colaborar. No início estava tudo ok, estávamos na plateia, a Márcia caracterizada de ‘Rambo’ e eu de pirata, algo que, vendo retrospectivamente, considero bastante naif. Representando a Moreninha, estava o grupo do Ricardo Basbaum, o “Seis mãos” (Basbaum, Dacosta e Barrão) caracterizados com roupas de garçom, que eles costumavam usar nas suas intervenções. Vieram com essa roupa e depois de uns quinze minutos de fala do Bonito Oliva surgiram na plateia com uma bandeja. Na bandeja havia um gravador de voz. Bonito Oliva pulou no gravador, jogando-o no chão, ficou uma fera. Começou com um artista [Enéas Valle] que estava com um espelho retrovisor. Achei muito engraçado. Eu não havia percebido o alcance da coisa porque não participei das reuniões em que eles combinaram o timing das ações. De repente estou lá sentado, esse cara tirou um espelho retrovisor do bolso e começou a se maquiar. O espelho era desses de automóvel, foi muito engraçado, interessante. A reação do Bonito Oliva contribuiu, sem ele querer, claro, para o sucesso da ação. Deu tudo certo como planejaram, provocaram o cara, ele ficou possesso, no dia seguinte houve grande repercussão na mídia, saíram matérias em todos os jornais questionando a “Transvanguarda”, movimento defendido por Oliva, e este, por sua vez, atacando os rapazes do grupo; foi muito bom porque foi uma discussão sobre valores estéticos e sua pertinência num dado contexto.

 O trabalho da “Dupla Especializada” e do “Grupo Seis Mãos”, teve muito boa repercussão ao longo das suas atividades nos anos 80 e parte dos 90. Eles podem ser considerados artistas que procuraram conscientemente romper com certas estruturas, de linguagens e comportamentais, contribuindo com novas formulações e novas proposições. Hoje, me parece, a performance é melhor compreendida, provoca reflexões mais amplas, reações em cadeia, instiga o pensamento sobre posturas estéticas, existenciais e antropológicas. Esse estado de coisas, sem dúvida, se deve em boa parte pela contribuição das atividades desses inovadores, com relação aos quais muito nos orgulhamos de pertencer ao mesmo cenário e de termos mais ou menos uma visada parecida em relação ao papel da arte na sociedade. Para usar um dos seus slogans mais lapidares, “arte é superarte”.

Bianca Tinoco: Como terminou sua dupla com a Márcia?

Alex Hamburger:Depois de termos feito juntos em torno de umas vinte apresentações ao longo de 8 anos (1984-1992), percebemos que estávamos começando a esgotar as melhores propostas, que já não tinham mais aquele ineditismo do início. A dupla era ótima, mas sempre fomos espíritos muito inquietos, não gostávamos de perpetuar nada. Eu então comecei a sentir um certo desgaste, a Márcia não tanto! Esse pequeno desgaste também se deveu por ordem da nossa relação pessoal; em verdade, eu queria passar a fazer projetos solo, comecei a ter ideias para executar individualmente, que não incluíam a parceria.  Foi quando começamos a ter dificuldades normais de convivência de um casal e chegamos a um momento em que achamos melhor cada um seguir seu caminho. Oito anos foram suficientes para fazermos juntos o que queríamos, e também para deixar a dupla marcada. A coisa foi se encaminhando sem nenhum atrito, de uma forma fluida e tranquila. Fui morar em outra casa, ela continuou no apto/ateliê dela, e comecei a desenvolver performances poéticas. Realizei várias e iniciei pesquisas no campo da poesia sonora, poemas­objeto, letristas, coisas que só dava para eu elaborar sozinho. Na parceria, havia essa coisa de interagir com o outro em cena, precisava haver uma ação dupla ali. Mais ou menos como a ‘Dupla Especializada’, composta pelo Ricardo [Basbaum] e pelo Alexandre [Dacosta], que depois de um certo momento também cada um quis seguir seu caminho pessoal, de modo semelhante ao que aconteceu conosco.

Assim, voltei a trabalhar individualmente, lançando umCDde ‘poemassonoros’[12sonemas], em 1993, queteveumaboarepercussãono ‘meio a margem do main’,poemasque se utilizam do aparelho fonador humano, ruídos e sons sampleados. Na sequência, até onde a minha memória pode alcançar, fiz exposições individuais em galerias, centros culturais, participei de mostras coletivas e comecei ainda a desenvolver trabalhos em ‘livro de artista’, ‘livrobjeto’, ‘poemobjeto’, etc. Continuei, porém, a realizar trabalhos tendo o corpo como suporte, sendo que na maior parte deles utilizando sons e voz. Desenvolvi também por essa época (início dos anos 90) e venho desenvolvendo até hoje, trabalhos de poesia visual, instalações poéticas e contrapoesia. Venho colaborando em revistas de arte e jornais literários, participado de palestras e debates e realizando cada vez mais trabalhos híbridos e ainda inomináveis! Participei de uma exposição marcante de ‘livros-objeto’ no ambiente da  Bienal de Veneza de 1993, organizada pelo crítico e historiador Márcio Doctors, que depois percorreu várias cidades importantes da Itália e no Brasil foi exposta no CCBB-RJ.

Em certo momento da minha trajetória as coisas começaram a acontecer de uma maneira muda, ou seja, sem repercussão. Cada vez mais eu queria fazer projetos que não tivessem cobertura tradicional de mídia, nem fossem exibidos em galerias de renome, porque os trabalhos nos quais eu sempre me espelhei, que apreciava, eram os mais derrisórios, de confronto com o establishment das artes, aqueles que de alguma forma procuram questionar o papel e a necessidade (tão premente para a maioria) de se fazer arte. Parece um paradoxo dizer isso depois que fiz escândalos e consegui uma certa visibilidade no circuito, mas eu procuro esses paradoxos, procuro provoca-los, me instigam. Confesso que no inicio eu realmente quis muito que meu nome tivesse uma certe repercussão devido a contundência do meu trabalho; não queria ser um “joão-ninguém”. Mas, assim que obtive essa certa repercussão, deixei de dar valor a ela. Toda vez que realizo alguma coisa hoje em dia, penso em como posso provocar essa reflexão sobre os caminhos normalmente utilizados pelos artistas, pelos pensadores.

Muitas vezes também faço coisas pontuais, preparo uma apresentação de poesia sonora, faço palestra com slides, não são provocações gratuitas. Penso que há outros caminhos, como o da poesia sonora, do uso da voz, do fonetismo como potencial para o poema, ou mesmo da intervenção corporal de uma forma que quase provoca situações paradoxais. As pessoas não estão muito dispostas a dialogar comigo,  porque sabem que por minha vez não estou disposto a fazer concessões (trabalhos normativos), isso não me diz nada, embora eu aceite e respeite quem faça. Tento ir cada vez mais na direção de uma linha apontada pelos movimentos experimentais, de ruptura.  Tenho uma empatia com esse tipo de (anti)linguagens, e às vezes até me perco um pouco, não sei para onde ir devido a falta de uma maior interlocução no circuito local. Acho bom me perder às vezes e me encontrar outras em um determinado ponto dessa minha incessante busca. Mas sinto que minha contribuição teve o seu ápice e agora estou meio que à deriva, estudando o que posso propor de interessante, mesmo que seja para um público reduzido, embora ultimamente para a minha surpresa ele esteja crescendo. Mas percebo que não dá para ir muito além. A área em que estou querendo enveredar já extrapola. No momento acho mais interessante falar com pessoas, como estou falando com você, eu considero isso trabalho, estou fazendo arte.

Meu último trabalho mais palpável foi no programa “Conexões Artes Visuais MinC/Funarte/Petrobras”, com uma proposta no campo da radioarte. São linguagens muito pouco utilizadas entre nós e que estou tentando trazer à tona, assim como em um certo momento contribuí para trazer à tona a arte-performance. Esse evento teve uma boa repercussão, pude ir a Curitiba com ele, convidei vários artistas que estavam fazendo essas coisas mas que também não tinham chance de mostrar suas ideias no terreno. São trabalhos nuançados, efêmeros, meio inclassificáveis. São “pós­performáticos”, se posso assim dizer, se utilizam de elementos como gravador, câmera, microfone no lugar de suportes usuais para transmitir insights que não se perpetuam. Descobri pessoas que ficariam à sombra por muito tempo se não houvesse um tipo especial de trabalho como esse. Depois levei o projeto (em 2008) para o MAC - Museu de Arte Contemporânea, de Niterói. Fiz questão de ir para um lugar que tivesse relevância e visibilidade como o MAC, porque, apesar de ser um museu, ele é um lugar aberto para esse tipo de experimentação, que não é necessariamente arte visual, que envereda no campo da vivência, algo extensivo ao existir. Não quero ser reconhecido como o cara que faz intervenções urbanas e derivas psicogeográficas, embora as admire com toda a alma, mas esse trabalho pode ser importante de outra maneira, não unicamente no sentido de “realização obras”.

Bianca Tinoco: Por que os artistas de performance são apagados de um registro da ‘Geração 80’, a ponto de não figurarem em exposições retrospectivas como a do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro?

Alex Hamburger: Há muitos pontos envolvidos. O primeiro é que a performance não era conhecida, não era respeitada como linguagem como é hoje. Os artistas nos viam atuar, mas, para ser “reconhecido” na época era necessário produzir uma obra pictórica ou escultórica, porque era isso que legitimava a atuação de um artista na época. Ninguém conhecia nada sobre a linguagem performance porque as pessoas eram muito mal informadas. Já pessoas como o Ricardo Basbaum, Márcia X., Barrão, Alexandre Dacosta e algumas poucas mais, de alguma maneira possuíam essa informação e assim puderam escolher esta forma de se expressar entre tantas outras, não esquecendo que eles eram bem ecléticos nas suas sinapses. Pelas conversas que dividíamos, tínhamos essa verve ao mesmo tempo de questionar, radicalizar e produzir elementos, tínhamos ‘sangue dadaísta’, neoconcretista e helioiticicano nas veias. Hélio Oiticica foi um cara revoltado, inquieto, rebelde com relação às linguagens em geral. Lygia Clark também. Eles jogaram tudo fora para produzir seus trabalhos.

Há um aspecto mais simplório, que seria a ênfase na pintura. É claro, a pintura é um suporte extremamente válido para uma expressão interna, e temos que aplaudir o bom trabalho desenvolvido na e pela ‘Geração 80’. Eu aplaudi na época, adorei a exposição, estava lá – eu, a Márcia e o Aimberê, ficamos andando, somente andando pelos corredores da EAV, de palpável somente “projetamos diapositivos” (slides) de performances que tinham sido filmadas em Super 8, principalmente os trabalhos da Márcia, como  Chuva de Dinheiro. Mas, nessa época, 1984, isso não era compreendido. Eu não vou dizer nem que foi preconceito, não tenho uma postura mais cáustica em relação às pessoas que não nos consideraram da ‘Geração 80’. O mercado de arte estava tão em baixa, que a ‘Geração 80’ deu uma grande contribuição para que a arte viesse se tornasse um pouco mais visível, adquirisse uma certa importância no contexto social, o que já foi uma grande guinada.

Mas a gente estava fazendo história lá – os pintores não, eles já tinham uma linguagem reconhecida pela mídia, pela crítica e pelo público. Foi lindo o que eles fizeram no Parque Lage, foi lindo e muito bem feito. Além das obras, fizeram um environment, um ambiente. Teve alguns aspectos de happening, de arte acionista também na exposição [Como vai você, Geração 80?]. Mas a performance em si ainda não tinha o aval que passou a ter mais à frente, pelo menos uns cinco anos depois, quando gente como o Márcio Doctors, alguns (pouquíssimos, é bem verdade) críticos e pessoas respeitadas no  meio começarama reconhecerque ela eraumalinguagemválida,quetinhasuaimportâncianocontexto. Penso que as pessoas simplesmente não sabiam bem do que se tratava. Não havia, em 1984, muitas realizações de vulto nessa esfera. Foi logo depois da exposição que a “Dupla Especializada”, por exemplo, começou a fazer coisas mais incisivas, de maior confronto com o estabelecido. Márcia e eu começamos a surgir com mais ímpeto em 1985. Em 1984, eu ainda estava preparando o meu primeiro livro de poemas, não posso reivindicar muita coisa nesse sentido, embora tenha feito algumas incursões no campo. É claro que, historicamente, as pessoas poderiam considerar que na ‘Geração 80’, além dos pintores, também houve artistas performáticos. Conta o fato de a gente nunca ter se importado muito também, porque performance tem essa proposta mesmo, de ser efêmera, de não buscar muito a recepção – já os artistas plásticos queriam vender, ter fama, essas coisas. Não há um sólido campo de atuação para a performance até hoje (2009), então a gente nunca fez questão. Mas, mesmo sem alarde, mesmo sem ter se importado, alguém acabou percebendo a importância e está levantando uma série de situações, de trabalhos que aconteceram e que foram bastante volumosos.

Mas de qualquer maneira, eu sempre digo que surgi no bojo da ‘Geração 80’ pois antes ninguém sabia quem eu era.  Claro, a gente queria ter algum reconhecimento para poder ser convidado para ir a Brasília, a São Paulo, ter aventuras. Para tanto, tínhamos de fato o que oferecer – eu, a Márcia, o Ricardo, o Dacosta, o Jorge Salomão, o Waly, o grupo Rádio­Novela, etc. Em São Paulo, havia também coisas no terreno acontecendo, como o grupo ‘3Nós3’, o Aguillar, o Otávio Donasci. Hoje, um artista que se utiliza de performance é observado por um Paulo Herkenhoff, um Sérgio Duarte, um Paulo Venancio Filho, etc.  Na época, mentes como essas não existiam; deviam estar ‘por aí’, mas escrevendo sobre pintura, escultura, objeto. Porque era a única coisa ‘reconhecidamente’ séria – o que nós fazíamos não tinha o aval do crítico, do público e muito menos da imprensa. A imprensa fazia inúmeras matérias mas sem compreender absolutamente nada do que estava se passando. O Parque Lage era aberto, mas seus mentores deviam achar que era uma atividade menor.

A partir dos anos 2000 a questão da performance adquiriu outra importância, e muitos artistas que hoje são bastante reconhecidos, se não são totalmente performáticos estão na circunvizinhança da performance, como a Laura Lima, a Renata Lucas, os artistas de Goiânia, Brasília, Florianópolis, São Paulo, Recife. É uma linguagem que já tem seu momentum e que, por sua vez, tem gerado outras associações. Não é mais só a performance, é a videoperformance, a performance poética, a do poeta sonoro que usa o corpo, objetos de cena, situações inusitadas do dia a dia que a descontextualizam, desconstroem do seu arcabouço original. Isso tudo faz com que ela tenha uma importância muito grande no campo ampliado da arte atual. Não havia como perceber isso na década de 1980, quando ainda era o máximo o artista fazer determinado tipo de pintura, a questão do suporte. O artista da ‘Geração 80’ era reconhecido por isso, era considerado avançado por não fazer simplesmente um quadro, por usar outros materiais, mas sempre com imagens, utilizando os princípios básicos para o apelo retiniano. Outro tipo de apelo, o corporal, não era considerado como material válido de transmissão de sensações. Não era possível na época a performance vingar, ou qualquer tipo de trabalho desse tipo, porque ainda não havíamos ainda nem exorcizado uma série de questões da pintura, da escultura e até do objeto. Isso precisava ser feito e foi muito bem­feito pelos artistas plásticos da “Geração 80’.

Entretanto, naquele momento, até a palavra performance, a de tudo legitimadora imprensa achava que era um ‘modismo’, algo típico dos verões cariocas. A palavra, assim como a atividade, levou alguns anos para ser levada a sério. Houve um tempo em que todo mundo começou a usa­la para tudo,  numa uma diluição total. Como era algo muito avançado para aquelas quadras, ninguém tinha ainda um cabedal crítico para uma avaliação aguda. Não havia estofo nem condições culturais para compreendê-la por todos os motivos acima relatados.

A Márcia, por exemplo, tinha muito talento, se quisesse poderia ter feito parte da ‘Geração 80’, ela pintava muito bem! Mas fez questão de colocar pé firme e ficar no campo da experimentação, não quis pois tínhamos de romper com essas fronteiras. Eu, por meu turno, poderia continuar com meus livros modéstia a não-parte meio ‘neo­joycianos’, uma linguagem bastante contemporânea no campo da  palavra, até porque o meu primeiro livro, lançado em 1985, obteve eu uma boa repercussão. Poderia insistir nisso, provavelmente poderia me tornar um Walyzinho da vida [o poeta Waly Salomão) eu tinha potencial para tanto. Mas, assim como X, também não quis, escrevi dois, três livros mas optei por centrar as minhas incursões nessa linguagem. Então me sinto gratificado por ter um Ricardo Basbaum, um cara de uma visão super ampla, ou uma Cecília[Cotrim], reconhecendo meu trabalho. Quando expus na galeria ‘A Gentil Carioca’, em 2004, mostrei objetos readymades inusitados, mas na abertura fiz questão de fazer uma ação, ‘A alma encantadora do Saara’.  Convidei pessoas que trabalham na área, e as trouxe para a galeria. É uma coisa consequente, não é gratuita, algo que faço para forçar um destaque. Realmente eu achava que esta linguagem me oferecia excelentes condições de traduzir uma série de inquietações internas, quase uma catarse. Em vez de fazer psicanálise, vou fazer performance, talvez tenha concluído. Acho que foi o que aconteceu comigo.

O que deixa uma interrogação é porque hoje, já sob o filtro da história, quando há referência à ‘Geração 80’, não existe a lembrança de que houve outros tipos de manifestações, que estavam um pouco mais adiante do que as questões pictóricas. Tenho certeza de que, a qualquer momento, um historiador sensível e culto vai perceber e começar a considerar essa possibilidade, a recontar os fatos.

Rio de janeiro, agosto de 2009


Abjetos & livres

Os rumos tomados pela arte experimental no país, com o advento do concretismo, neoconcretismo, nova objetividade brasileira, tropicalismo, poema-processo, arte performance, etc. colocaram o Brasil no mapa da produção internacional. Porém, há que se chamar a atenção para uma série de procedimentos de alta densidade poética que não foram historicamente contemplados.

Embora grande parte das experiências do campo expandido da arte tenha sido protagonizada no exterior, não podemos deixar de considerar que produções marcantes em poesia visual, poesia sonora e arte conceitual fizeram, e fazem parte do repertório nacional, embora não da forma sistemática e aprofundada que mereciam.

Por outro lado, muito pouco ou quase nada se realizou aqui no campo da poesia conceitual, da anti-arte e da não-arte, lacunas que o presente projeto tem a pretensão de sanar em parte, ou pelo menos tentar retira-las do estado de semiclandestinidade em que se encontram, afirmar sua legitimidade, constituir seus métodos no âmbito de uma civilização telemática.

Traçando um percurso iniciado com os ready-mades de Duchamp, marco inaugural de um modus operandi derrisório, questionador, autofágico, do qual fazem parte também a revolução situacionista, o anartismo de Allan Kaprow e a contrapoesia de Keneth Goldsmith, estas “amostras” apontam no sentido de explorar estas tendências, traçar novas pistas para a sua atuação, confrontar e reoxigenar valores por demais recorrentes, com o objetivo de lançar novas pontes de prospecção para a fábrica da linguagem, revelando ao mesmo tempo, novos mecanismos e posturas com ênfase nos componentes constitutivos da invenção, surpresa e renovação.

Alex Hamburger 
Texto escrito para a exposição retrospectiva “Alex Hamburger - Signos em rotação”. Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (CAMAHO), outubro de 2016.

Alex Hamburger

Desde os primeiros encontros, a partir de 1983, percebi que se desenvolveria ali uma conversa de longo prazo, a ser constantemente alimentada por aventuras e desvios: Alex Hamburger – nesse momento movendo-se em grupo, junto com Márcia X, Aimberê Cesar e Maurício Ruiz – já encenava com convicção os movimentos corporais de uma coreografia construída na releitura dedicada de gestos e posições das vanguardas, tanto históricas quanto em seus desdobramentos do pós-guerra, tal qual Fluxus & Co. A seu modo, procurou incessantemente desencavar, em relativo isolamento, pistas que o guiassem através do árido pragmatismo de adesões que caracterizou o lado morno das atividades artísticas dos anos 1980 – não havia quase espaço para qualquer gesto sub- e seria preciso muito jogo de cintura para abrir acesso e avançar em meio à plateia da Sala Cecilia Meireles e aceder ao palco em que se homenageava um John Cage fetichizado e pacificado, quase sem élan. Naquele momento, em que produziam Tricyc(l)age (1985), Alex Hamburger e Márcia X recuperavam com ousadia a radicalidade do pensamento em arte, sem provincianismo, mandando para escanteio (literalmente) gerações de vorazes burocratas e intermediários, que sobrevivem dos protocolos de domesticação de artistas e gerenciamento de carreiras. Para Hamburger, não há concessões: seria necessário avançar no experimentalismo, sem ceder qualquer centímetro do território já conquistado, em rejeição ao papel do artista-funcionário do mercado, ao poeta-assimilado. Na cena do Rio de Janeiro do final do Século XX – e em seus reflexos pelo país – sua prática recupera os signos de uma atuação negativa, que se constrói a partir do enfrentamento e da rejeição, recusando a gestão de interesses que impulsiona a pragmática do circuito de artes.

 Deslocar-se da escrita para os rituais da performance, para a intervenção visual e as aventuras sonoras: é preciso compreender os eixos a partir dos quais se torna possível conduzir tal movimentação. Afinal, as trilhas que conduzem ao novo milênio não se abrem ao mero uso formal das linguagens; não se avança mais em linha reta através da história, hoje ferramenta que instaura um presente complexo. Ao se inventar e reinventar como artista, ao longo de mais de três décadas, seja em duo ou em percurso solo, Alex Hamburger corta o tempo: trazer Marcel Duchamp para o Catete (bairro central para suas atividades) não é mero deslocamento, pois é preciso re-situar as práticas de intervenção diretamente ao nível das ruas, reinventá-las para o vocabulário das conversas locais. Há um grande investimento de cálculo e análise, empreendido por Hamburger na direção da constituição de ambiência para sua prática, que o coloca no rumo das poéticas de invenção, autor avançado na crista de seu tempo, ao mesmo tempo diluído no mundo dos sinais, códigos e convenções comunicacionais. Doctypes (2016), o experimento mais recente, aposta na saturação da linguagem – ilegível, sem voz, infinita em sua replicação – re-encenando o artista que resiste no contrafluxo da máquina, agora digital e em rede, sincronizada com as estações de controle. É com a inteligência e radicalidade de um Engenheiro de obras feitas (proposição de 1998) que Alex Hamburger confronta o futuro, a partir de um presente insuficiente, burocrático e protocolar que é preciso sempre contestar – Avante!

Ricardo Basbaum (Setembro, 2016)
Texto escrito para a exposição retrospectiva “Alex Hamburger - Signos em rotação”. Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (CAMAHO), outubro de 2016.
 

Signos em rotação

Quando Alex Hamburger nos procurou para lançar o livro Doctypes com uma mostra de seus abjetos, logo percebemos ser urgente e necessário reunir um conjunto consistente de trabalhos que dessem a ver sua atuação nos últimos 30 anos. Atuação constante e, na mesma medida, irregular, marcada por forte carga performativa, crítica, conceitual, que resultou em livros, livros objetos, abjetos; que foi anotada em papeizinhos, discutida em cartas e textos; que ganhou corpo em aparições performáticas aqui e ali, registradas em vídeo, em palavras proferidas “no ar”, que ganhou forma e desapareceu nas ondas do rádio. Fragmentos frágeis materialmente, encontrados em escavações arqueológicas no seu arquivo pessoal, que, reunidos pela primeira vez (!), ganharam potência significativa.

Talvez estejamos sendo impertinentes no nosso desejo de organização e visibilidade, aparentemente contrário ao caráter autofágico e enviesado de sua produção. Desde o início da sua trajetória em meados da década de 1980, Alex se mostrou arredio à profissionalização do artista e sua formatação pelo mercado, tendo se colocado junto com seus companheiros na contracorrente do discurso que previa o retorno à pintura como um movimento hegemônico daquela geração. Na carta enviada por Alex e Ricardo Basbaum à crítica e historiadora americana Roselee Goldberg, por ocasião da publicação do seu célebre livro sobre performance, havia claro o desejo de criar ruído nesses discursos e afirmar que no Brasil daqueles anos havia vida inteligente e pensamento de vanguarda, como ela gosta de dizer, para além das pinceladas expressivas ou das tintas fortes com que se revestem até hoje os estereótipos de exotismo que envolvem a produção artística abaixo da linha do equador. Essa carta está presente na exposição, assim como outras cartas trocadas com o amigo e interlocutor privilegiado Basbaum; com Marcia X (sua parceira na arte e na vida durante longo tempo); e com artistas do grupo Fluxus, com os quais manteve interessante correspondência. Nos trabalhos estão presentes também Aimberê Cesar e Maurício Ruiz, parceiros que estavam sempre por perto, autores também de registros e fotografias.

No texto datilografado escrito pelo poeta Álvaro de Sá, um dos fundadores do movimento poema-processo, para apresentar a performance Engenheiro de obras feitas (1998), há muitas anotações feitas por Alex posteriormente, mas entre elas uma merece especial atenção: sobre a palavra “poeta”, usada por Álvaro para se referir a Alex, um risco a lápis dá lugar a palavra “artista”. Com esse gesto Alex não nega simplesmente o título de poeta, mas reivindica sua permanência no campo da arte – assim, sem adjetivos, como acostumamos a chamar as artes antes belas, plásticas e visuais. Dessa maneira dá também a sua contribuição para que esse campo se mantenha aberto à experimentação radical, que permaneça como espaço privilegiado no qual as outras práticas e linguagens possam também se reinventar, entre elas, a poesia.  Para levar a palavra para além dos limites da linguagem é nesse campo que ele acredita dever se situar.

Ao ver esse material reunido pela primeira vez percebemos claramente a herança de Marcel Duchamp e da vanguarda surrealista/dadaísta, especialmente a partir de sua retomada pela arte conceitual na década de 1970. Seria importante, no entanto, pensar o modo pelo qual essas referências se atualizam no trabalho de Alex, e, nesse sentido, talvez seja oportuno ativarmos a noção de inoperosidade, tal como colocada por Giorgio Agambem. Para o filósofo italiano “um poema não é senão aquela operação linguística que consiste em tornar a língua inoperativa, em desativar as suas funções comunicativas e informativas para a abrir a um novo possível uso”. Está em jogo, a meu ver, na inoperosidade da poética de Alex Hamburger, a cessação da função utilitária da palavra e da linguagem, mas também dos gestos e das  formas de ação, desde o ruído mais cotidiano (como recados gravados numa secretária eletrônica nos seus Tele-fonemas), aos rituais de celebração, que, segundo Agambem, encontram na festa sabática a sua maior exemplificação (se pensarmos que Alex é sérvio, filho de imigrantes e judeu, a errância de sua trajetória ganha mais uma camada de significação).

Com esse aspecto colabora também a sua recusa em fazer “obras” ou a trabalhar como “artista” no sentido estrito (diga-se de passagem, algo que marca também a trajetória de Duchamp). Minguar essa disponibilidade produtiva que a mercantilização de toda a atividade humana quer sem limites nem contrapartida significa a possibilidade de inventarmos novas formas de vida e trabalho. Formas que Alex exercita na polifonia de seus poemas sonoros, na constelação de signos que não se contentam em virar de ponta a cabeça, mas que procura manter em permanente rotação.

Isabela  Pucu (Setembro, 2016)
Texto escrito para a exposição retrospectiva “Alex Hamburger - Signos em rotação”, no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (CAMAHO), outubro de 2016.


In Situ | O artista por ele mesmo: Alex Hamburger – Para além da palavra

Por Fátima Pinheiro

Desde o início das suas atividades, nos anos 80, Alex Hamburger teve seus interesses e preocupações voltados para as possibilidades interativas, de fusão e entrecruzamento entre várias áreas. A sua experiência poética foi desenvolvida ao longo dos anos 80, 90 e 2000, e teve como ponto de partida trabalhos de Poesia Visual e Sonora, Poemas Objeto, Livros-de-artista, Performances, Instalações, etc., contribuíndo de forma decisiva para o entendimento e aceitação dessas novas técnicas de expressão ainda incipientes no circuito carioca dos anos 80. Realizou diversas exposições coletivas e individuais ao longo desse período, destacando-se: “Brasil: segni d’arte”, no contexto da Bienal de Veneza, 1993; “Livrobjeto”, Galeria Saramenha, RJ,1991; “Poemobjeto”, EAV – Parque Lage, RJ, 1990; “Eletropoesia”, Galeria Candido Mendes, RJ 1988; além de ter criado em torno de 30 trabalhos em arte-performance, alguns em parceria com a artista plástica Márcia X. com quem desenvolveu uma profícua parceria por 7 anos. Publicou 5 livros de ‘poesia verbal’ e 2 CDs de ‘poesia sonora’, que figuraram em destacados acervos de instituições de arte contemporânea, como a Printed Matter Bookstore – New York, Compendium of Contemporary Fine Prints – Hamburgo, Alemanha, etc.

Alex Hamburger é o nosso convidado desse número do “O artista por ele mesmo” e nos brinda com o ensaio “Para além da palavra” que escreveu especialmente para esta coluna, uma importante abordagem sobre a poesia experimental, e que tenho o prazer de apresentar, uma vez que trata-se de um texto que abre espaço para o debate no campo da arte contemporânea, trazendo a marca singular do autor não só no que tange ao seu estilo de escrita, mas por vir, também, acompanhado da riqueza de sua poesia visual. Boa leitura a todos!

Para além da palavra

Dos meios de expressão, a Poesia tem sido, na atualidade, a menos exigida em termos de experimentação, uma vez que mesmo os trabalhos chamados ‘novos’ raramente vão além das convenções estabelecidas no século dezenove.

A revolução na arte moderna, também chamada de contemporânea, que irrompeu logo após a 1ª Guerra Mundial, pouco afetou a literatura publicada e divulgada hoje, embora possamos encontrar exemplos magníficos de sua realização.
A Poesia, e mesmo o Romance, enfim, a ficção que passa diante de nossos olhos são invariavelmente tão familiares em linguagem e estrutura, tão improblemáticos enquanto experiências lidas, tão próximos dos best-sellers de uma burguesia acomodada , que uma verdade pode ser percebida clara e límpida: quase nenhuma forma literária, hoje, parece ter necessidade real de questionamento estético, e sem ruptura estilística, é preciso que se diga, esse estado de coisas irá se perpetuar, não permitindo nenhum tipo de frescor e renovação.

Uma das razões pela qual a arte ficcional não sentiu nenhuma obrigação em mudar, se deve ao fato de a maioria dos critérios correntemente utilizados pelos “agentes literários” (escritores, críticos, editores, professores, resenhistas, etc.) estabelecidos, serem perfeitamente aplicáveis a cerca de um século atrás. Tais agentes, é claro, colocam a culpa no público e no mercado, ao dizerem que estes, eventualmente, não exigem, ou não absorvem, os trabalhos mais inventivos por falta de conhecimento ou acesso a essas obras (experimentais), criando dessa maneira um círculo vicioso que deveria tentar ser quebrado, segundo me parece, por esses próprios agentes, que possuem os elementos para tal, mas que se omitem em favor de aspectos mais imediatistas.

O fato desses agentes serem tão apegados à fórmulas familiares, e tão retrógrados em seus princípios de seleção para divulgação pública é quase inaceitável, mas a não anunciada verdade é que nenhum agente com alguma pré-disposição para a escrita experimental contribui regularmente para qualquer veículo literário no país.

Considerem, somente por analogia, o quão inquestionavelmente ridículo iria parecer um crítico de artes plásticas que somente elogiasse a arte representacional (figurativa), e rejeitasse todo trabalho abstrato por este trair a realidade; e se uma crítica de arte tão anacrônica fosse levada a sério considerem quão limitada seria a arte recente!

Como todo praticante um pouco mais exigente sabe, as obras literárias que venceram prêmios, e que encabeçam as resenhas, listas de mais vendidos, ou que são discutidos nos cursos, não são quase nunca aquelas que dão uma real contribuição ao avanço da criação. A profunda negligência em relação a um completo corpo da arte (no caso, a de característica experimental), pode contribuir insensatamente para a sua morte prematura, para não falar da completa exclusão da arte literária do convívio realimentador com as outras expressões.

Se o ‘Finnegan’s wake’, de Joyce, para dar um exemplo, fosse parar, hoje, numa editora sem ser solicitado, não há dúvida de que seria recusado logo após uma perícia de curso, e essa obra-prima multilíngue do século XX seria devolvida, com certeza, sem nenhuma avaliação ou exame como totalmente impublicável (se não ilegível), não somente devido ao seu estilo fragmentado e túrgido, mas porque o seu formato excêntrico faria com que os custos de produção e tipografia fossem proibitivos, embora recentemente, com o avanço dos recursos tipográficos e após décadas de estupefação esta obra ‘conseguiu’ ser publicada, inclusive em nosso idioma!

Por outro lado, boa parte dos trabalhos de inovação poética, hoje produzidos, podem ser considerados “intermídia”, termo criado pelo poeta inglês Samuel Taylor Coleridge, e redescoberto pelo poeta e editor americano Dick Higgins, na década de 70, para descrever aquelas manifestações estéticas interativas, ou seja, que se encontram conceitualmente entre duas ou mais disciplinas artísticas tradicionais. Isto não se deu por mero acidente! O conceito de separação entre os meios surgiu na Renascença. A ideia que uma pintura é feita somente de tinta sobre tela, ou que uma escultura não deve ser pintada, parece característico de um pensamento social despótico, dividindo a sociedade em categorias de nobreza e suas várias subdivisões: gentio, artesãos, servos, etc., e que poderia muito bem ser denominado de concepção feudal “prisioneiros do ser”.

Essa abordagem, essencialmente mecanicista, continuou relevante durante as duas primeiras revoluções industriais, chegando até a presente era da automação. Entretanto, os problemas sociais que caracterizam o nosso tempo, não permitem mais a abordagem compartimentalizada. Estamos nos aproximando do início de uma sociedade sem classes, na qual a separação por categorias rígidas é absolutamente irrelevante.

Tudo leva a crer que a prática da ‘intermídia’ foi introduzida pelas vanguardas históricas do início do século XX, com a sua atuação simultânea em todos os domínios da criação e do pensamento, ou quiçá, com os ready-mades de Duchamp, neste sentido um “intermeio”, uma vez que não foram concebidos para se amoldar ao meio puro; portanto, sugerem situar-se no terreno entre a área geral da “mídia arte” e aquela que poderíamos denominar de “mídia vida”. Contudo, locações do tipo desta última, apesar do fascínio que oferecem em princípio, são relativamente inexploradas se compararmos com os meios que se situam entre as artes, que de certa forma começam a despertar um maior interesse entre os produtores culturais.

Sim, porque ainda não dá para nomear um trabalho que se coloca conscientemente interagindo entre as artes plásticas e um par de sapatos! Ou entre um poema e a vistoria alfandegária de um fiscal de aeroporto! Como se pode perceber, existe muita coisa ainda a ser feita nesta direção, no caminho de uma abertura estética de respostas compensadoras.

Tem-se notado a utilização da ‘intermídia’ em todos os campos de atuação cultural, dá música às artes visuais, da literatura à arte do vídeo, e em certas variedades de construções plásticas. Deve-se salientar que seu uso é bastante difundido no mundo todo, uma vez que continuidade no lugar de categorização é a principal marca de uma nova mentalidade.

O objetivo principal dessa comunicação é nada menos do que uma ampliação drástica do nosso senso de possibilidades ficcionais, tendo sempre em mente sua distância do que normalmente temos visto e lido, ou pelo menos procura-se aqui, jogar uma luz sobre questões cruciais de há muito soterradas. Como as diversas alternativas estilísticas podem sugerir, existe um leque bastante amplo de variações presentes para a ficção, e o texto linear não é necessariamente um pré-requisito.

A inevitável degradação de todas as formas conhecidas e bem sucedidas (e, portanto, recorrentes em excesso), exige a produção de novos projetos, mais necessários e apropriados. Há nessa minha proposta, diga-se a bem da verdade, uma espinha dorsal polêmica, tudo no sentido de sustentar uma batalha travada por anos em nome da arte, e que precisa desesperadamente ser reiterada: a revolução fundamental do modernismo artístico é, e deve ser permanente! Esse material ficcional pode ser humano ou estilístico, o que quer dizer que pode relacionar-se com pessoas ou coisas, ou ser ainda um estilo linguístico ou invenção formal, porém, dentro da arte ficcional há usualmente um tipo de movimentação que vai de um polo a outro.

Nesse sentido, o da diversidade e troca dentro de um quadro amplo, agora reconhecido, difere a poesia ‘intermídia’, como aqui proposto, da poesia ‘versográfica’ pura e simples, aquela que enfatiza o estático, o ato geralmente formalizado. Enquanto a primeira tende na direção da totalidade, expandindo o que de mais rico foi inventado, ampliando-o, reatualizando-o, rediscutindo-o, a poesia de versos é limitada; enquanto a poesia ampla é abrangente, a poesia meramente retórica é concentradora, enquanto uma se move a outra fica parada, se repetindo…

O que é novo em arte contemporânea costuma tratar quase sempre de maneira inventiva com as essências do meio; no caso da experimentação, os potenciais da linguagem e seu significado, mais ainda, o seu significante, assim como o alcance tanto da página impressa e retangular quanto do processo rítmico de virar a página; e a liberdade, em qualquer modalidade artística, significa a oportunidade intransigente em utilizar-se desses materiais básicos sem restrição – sem deferência, para ser mais específico, tanto com as convenções literárias quanto com as exigências mundanas, e é por isso que algumas das melhores proposições poéticas partem de signos linguísticos não-familiares , e outras até, evitam completamente a linguagem (o texto)!

Muito da nova poesia evita a linha e o tipo horizontal – a convenção fundamental da literatura desde Gutemberg – para enveredar por outras formas de explorar e habitar a arena disponível de uma página ou espaço físico dado; e muitos exemplos misturam palavras e imagens para obter efeitos impossíveis de serem alcançados isoladamente por um ou por outro.

O romance e a novela, podem estar bastante desgastados, junto com outras formas historicamente em vias de extinção (?), mas experimentar, como impulso criativo, não!
Guardando estas oportunidades em mente, o artista da nova poesia pode, por exemplo, ver figuras sendo tão válidas quanto palavras, ou ‘mixar’ um elemento com outro, e o vocabulário do meio, ou ‘intermeio’, obviamente inclui tanto a página em branco quanto a totalmente escurecida.

Alguns desses trabalhos irão provavelmente parecer obscuros, senão inescrutáveis a princípio, não tanto porque suas concepções básicas são complexas, mas porque suas formas são inusitadas o bastante para atordoar antes de poderem seduzir e encantar. A questão para isso, é: como pode alguém, reconhecendo (caso reconheça) a continua metamorfose que se processa na arte de nosso século (e do anterior), não aceitar, ou pelo menos não procurar discutir qualquer trabalho que contenha uma grande dose de evolução?

Uma vez que o arcaico e desnecessário critério restritivo for abandonado, tornar-se-á claro, de imediato, que muitas alternativas são possíveis, o que significa que os componentes da mídia ficcional ainda podem ser estendidos a inumeráveis formas até o momento impensáveis!

Quase nada da nova poesia se qualifica como poesia normativa (de caráter lógico-simbolista), apesar de vários autores que a desenvolvem ainda serem reconhecidos como poetas! Na verdade, uma verdade operacional, é que artistas mais ousados tendem a encontrar suas mais produtivas inspirações em fontes fora dos seus meios de atuação, e certas propostas refletem o percurso progressivo da Ciência, a predileção espacial da coreografia recente, o avanço dos meios tecnológicos de comunicação, as formas permutacionais da Música, etc., ampliando, assim, o seu raio de ação e o seu campo de atuação, para obter resultados sensoriais mais condizentes diante dos profundos desafios do nosso tempo.

Como declara Nani Balestrini, poeta experimental italiano: “Uma poesia de oposição aos dogmas e ao conformismo que ameaça nosso caminho, que nos ata os pés, tentando imobilizar-nos os passos”.

Hoje, mais do que nunca, esta é a razão de fazer Poesia.

Alex Hamburger

Rádio do Futuro

Trata-se de uma “instalação-radiofônica”, que simulou uma estação de rádio transmitindo diretamente da Fundição Progresso, no âmbito da exposição “Ponto Transição Artes Visuais”. As transmissões de “Radio do Futuro” foram apresentadas num ambiente de experimentação onde foram utilizados diversos procedimentos extensivos ao meio, como a leitura de textos históricos dos pioneiros da “radio arte”, recitais de “poemas fonéticos”, “entrevistas” com participantes da exposição, “peças radiofônicas”, apresentação de “música concreta”, “ações sonoras”, etc. contextos que procuraram oferecer contornos mais nítidos à uma expressão ainda pouco explorada pelo artista hodierno.

O projeto teve quatro emissões ao longo da permanência da mostra. O título do “formato” é uma apropriação de um notável ensaio do “transpoeta” russo Velimir Khlebnicov, um dos pioneiros da ‘arte do rádio’ juntamente com Marinetti e Masnata, John Cage e Mauricio Kagel, o Hörspiel alemão, etc, que foram homenageados nas duas primeiras transmissões, que se centraram num recorte sobre os precursores da “rádio arte”, também conhecidos como ‘visionários’, dado a dificuldade de se enquadrar esse meio de expressão no rol das manifestações artísticas devido ao seu caráter altamente experimental e de proposição inusitada.

Em torno de um século atrás, parte do mundo da arte aposentou a noção de originalidade como valor supremo, adotando formas hoje bastante conhecidas e difundidas, como a colagem, a apropriação, o reemprego, ou seja, a estratégia criativa de explorar a cópia, que foi devidamente encorajada pela tecnologia digital. Para não nos afastarmos muito do nosso tema, no campo auditivo, o sampling tornou-se o lugar comum que todos conhecem, e até diria, admiram, onde faixas inteiras são construídas a partir de outras faixas. Ultimamente tenho trabalhado, como na presente ‘instala/ação’, lançando mão desses recursos, considerando-os mais uma forma poética q pode ser interessante, pelo menos tem funcionado bem para mim, apreciador que sou de novas prospecções no campo da arte experimental.

Alex Hamburger (RJ, setembro, 16)
Texto escrito sobre o trabalho apresentadso na exposição coletiva “Ponto Transição”, com curadoria de Luiza Interlenghi, Sonia Salcedo e Xico Chaves. Realização: Centro de Artes Visuais da Funarte,  Fundição Progresso, 2016.

Poemópticos

Dos meios de expressão, a Poesia tem sido na atualidade a menos exigida em termos de experimentação, uma vez que os trabalhos chamados ‘novos’ raramente vão além das convenções estabelecidas no século dezenove!

A Poesia e a Prosa que passam em geral diante de nossos olhos são tão familiares em linguagem e estrutura, tão sem proposição de problemas ou ideias, tão próximos dos best-sellers de uma burguesia acomodada, que claramente pode-se fazer uma constatação: quase nenhuma forma literária, hoje, parece ter necessidade real de questionamento estético, e sem ruptura estilística, é preciso que se enfatize, um tal estado de coisas não permitirá nenhum tipo de frescor e renovação.

O objetivo principal desta apresentação tem o propósito de atentarmos para estes fatos no sentido de uma ampliação drástica do nosso senso de possibilidades criativas, tendo sempre em mente a sua distância do que temos visto e lido em geral, ou pelo menos indicar que procura-se aqui jogar uma luz sobre questões cruciais de há muito soterradas. Como as diversas alternativas estilísticas aqui presentes podem sugerir, existe um leque bastante amplo de variações presentes para a experimentação, e o texto linear não é necessariamente um pré-requisito.

Nesse sentido - o da diversidade e troca dentro de um quadro amplo, que agora passamos a reconhecer. a poesia intermídia, como proposto por estes poemas, distingue-se da poesia versográfica pura e simples, aquela que enfatiza o estático, o ato geralmente formalizado. Enquanto a primeira tende na direção da totalidade, expandindo o que de mais rico foi criado, reatualizando-o e rediscutindo-o, a poesia de versos é limitada; enquanto a poesia ampla é abrangente a poesia retórica é concentradora; enquanto uma se move a outra apenas se repete.

Se o que é novo em arte contemporânea costuma tratar quase sempre de maneira inventiva com as essências do meio, no caso da experimentação, os potenciais da linguagem seu significado e significante assim como a exploração do alcance da página impressa e retangular, e o processo rítmico de virar a página, são exemplos de uma busca por esta prática; e a liberdade, em qualquer modalidade artística, significa a oportunidade intransigente em utilizar-se desses materiais básicos sem restrição – sem deferência para ser mais preciso - tanto em relação as convenções literárias quanto com as exigências mundanas, e é por isso que algumas das melhores proposições poéticas partem de signos linguísticos ‘não-familiares’, e outras até evitam completamente a linguagem (o texto).

Muito da nova poesia evita a linha e o tipo horizontal – a convenção da literatura desde Gutemberg – para enveredar por outras formas de explorar e habitar a arena disponível de uma página ou de um espaço físico dado, e muitos exemplos misturam palavras e imagens para obter efeitos impossíveis de serem alcançados isoladamente  por um ou por outro.

Uma vez que o arcaico e desnecessário critério restritivo for abandonado, tornar-se-á claro, de imediato, que muitas alternativas são possíveis, o que significa que os componentes da experimentação ainda podem ser estendidos a inumeráveis formas pouco tentadas até o momento.

Alex Hamburger

Musica de ação                                       

Música de ação é uma forma de expressão ainda não totalmente conceituada e menos ainda praticada. Em princípio, pode ser considerada uma vertente mais refinada da arte-performance. No presente caso, foi concebida experimentalmente para seis pequenas peças no campo expandido da escuta. Seus principais precursores foram o compositor Erik Satie, com a sua “Furniture music” (“Música para móveis”, de 1917); John Cage, com 4’33’’, de 1951, e Takehisa Kosugi, com “Keep walking intently” (‘Permaneça andando intencionalmente’, de 1963).

Acredito que ela seja uma transição, à partir das técnicas originais, para uma forma diversificada do que vinha realizando anteriormente, tanto em poesia quanto em performance, uma espécie de “ação progressiva”. Procurei realizá-la porque necessito destas novas formatações, do contrário as anteriores podem se tornar obsoletas para mim. Considero este novo gênero de atuação essencial para reoxigenar as propostas que venho desenvolvendo.

 A.Hamburger

Setembro/16